A estética das Kardashian-Jenner e a busca do 'corpo trend': como essa equação afeta as mulheres?
Kylie Jenner e suas irmãs chamaram a atenção por terem deixado as curvas acentuadas para trás. Agora, elas exibem um visual cada vez mais esguio, que vai ao encontro com a 'tendência' da magreza que tem retornado aos holofotes. A Marie Claire, especialistas analisam a influência da família, sua busca para estar sempre em evidência e a problemática do 'corpo trend' da vez
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, redação Maire Claire — São Paulo (SP)
16/04/2024 05h03 Atualizado há 7 horas
Se o feito é pontuar no score do ideal de beleza, nenhuma família domina tanto o placar nos últimos anos quanto a Kardashian-Jenner. Em meados dos anos 2010, as mulheres do clã formaram o padrão de um corpo com curvas acentuadas e lábios carnudos — características que tornaram-se alguns de seus maiores trunfos, as ajudando a manterem-se no centro das atenções, além de contribuir para a construção de um império de milhões, a exemplo de Kylie Jenner com a Kylie Cosmetics. Sua marca de cosméticos foi fundada em 2015, e dois anos depois já tinha um valor de mercado de US$ 800 milhões, segundo a Forbes.
A mais nova das cinco irmãs, hoje com 26 anos, foi uma das precursoras da tendência da boca avantajada. A empresária mantinha os lábios preenchidos como marca registrada desde os 15 anos e influenciou uma geração de mulheres. Em 2016, a Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos reportou um aumento evidente nos procedimentos labiais na América do Norte: o uso de preenchedores passou de 1,8 milhão, em 2010, para 2,6 milhões naquele ano.
A boca da influenciadora até alimentou o perigoso "Kylie Jenner Lip Challenge" (Desafio da Boca da Kylie Jenner, em tradução livre) em 2015, em que pessoas publicaram vídeos mostrando o resultado da sucção labial feita com qualquer recipiente caseiro, de copos a tampas de desodorante.
MJ Corey, psicoterapeuta e escritora de Nova York, mais conhecida por ser a autora do Kardashian Kolloquium na internet — uma conta nas sociais onde aplica a teoria da mídia e estruturas pós-modernas às Kardashians — reflete em conversa com Marie Claire sobre como a família usa o poder da redes sociais ao seu favor.
“O visual dessas mulheres foi feito para se tornar viral nos feeds. Além disso, como há muitas delas, podem modelar para o público a viabilidade de sua estética umas nas outras. Isso mostrou que você pode ‘comprar’ o ‘look’ das Kardashian-Jenner”, afirma. É inegável que toda a especulação sobre as mudanças em seu rosto e corpo ao longo dos anos têm sustentado sua imagem.
Kylie chegou a dizer, no penúltimo episódio da terceira temporada de Keeping Up With the Kardashians no Hulu, sobre como suas escolhas têm impacto sobre outras pessoas: “Sinto que temos uma grande influência. O que estamos fazendo com nosso poder? Acabei de ver tantas meninas na internet agora editando totalmente [fotos delas mesmas]. Eu também passei por essa fase e sinto que estou em um lugar melhor.”
Então, ao optar pela remoção daquilo que foi sua marca registrada, o bocão a base de preenchimento, Kylie também desencadeou uma onda de reversão do procedimento no mundo todo. Outra decisão impactante recente da empresária e de suas irmãs está relacionada ao corpo cada vez mais magro, sem todas as curvas que um dia já foram o ápice do padrão que sustentavam — indo ao encontro a nova “tendência” de magreza que coincidiu com a popularização do uso de medicamentos como o Ozempic para emagrecer.
Ela, que era conhecida principalmente por usar uma maquiagem com um contorno marcado e forte, tem optado por uma aparência mais neutra. Alguns observam que suas escolhas se assemelham ao popularizado visual "clean girl". Ao The New York Times, Kylie descreveu sua estética atual como "feminina" e até comentou que "não sabe como se sente" com os rumores de que a mudança teria acontecido sob influência de seu namoro com Timothée Chalamet.
Para a psicanalista, socióloga e documentarista Ingrid Gerolimich, diretora de Explante o Filme — que aborda pressão estética como tema —, o problema é que as tendências apresentadas pelas Kardashian-Jenner “parecem se relacionar mais diretamente com uma estratégia de mercado que mercantiliza os corpos femininos, tratando-os como fetiches de consumo”.
“Logo, assim que nasce um novo ‘corpo trend’, não importa qual, nasce junto uma infinidade de novos procedimentos estéticos, dietas, roupas, cremes, produtos em geral, para dar continuidade a um interminável ciclo de consumo fetichista que aprisiona as mulheres”, continua a psicanalista.
MJ Corey acrescenta ao dizer que os ciclos de beleza sempre serão tendência de consumo. “Os corpos e os traços faciais vão se inflar e desinflar. Acho que é possível que existam algumas fórmulas de simetria que os olhos consideram agradáveis. Mas o objetivo do setor de beleza é inventar novos problemas para as mulheres resolverem, o que significa que ele precisa estar sempre em movimento.”
Isso só confirma que as mulheres estão diante de pressão constante e sem fim para alçar ideais estéticos inalcançáveis — e, como ditam as Kardashians, que estão constantemente se modificando. “Tal qual as peças de roupa que entram e saem das passarelas e vitrines a cada temporada, tudo como forma de perpetuar um mercado que faz da crônica insatisfação feminina com o próprio corpo um negócio altamente lucrativo. O resultado é um número cada vez maior de mulheres vivenciando um sofrimento e adoecimento extremo, tanto psíquico quanto físico, relacionado à imagem corporal”, diz Gerolimich.
“O novo visual de Kylie parece ir além de uma decisão pessoal sobre seu corpo, pois acompanha uma cultura que volta a valorizar corpos super magros como símbolo de beleza, elegância e sucesso, o que nos faz caminhar na contramão de movimentos importantes como o ‘body positive’ e estimula preconceitos, como a gordofobia, além de contribuir para o aumento dos distúrbios relacionados à imagem corporal.”
“A busca por um tipo ideal de corpo é cruel”
A psicanalista e socióloga atenta para a ideia de que um “corpo trend” faz parte de uma rede de estratégias comerciais. “A ideia de criar modelos de corpos e transformá-los em objetos de venda deveria por si só ser motivo de repúdio, já que nascemos diferentes entre nós. Logo, a busca por um tipo ideal de corpo, além de completamente irreal, é cruel.”
A questão é que estas estratégias comerciais exercem forte influência psíquica e moldam a subjetividade feminina, pontua Gerolimich. “O discurso dominante na sociedade patriarcal de consumo é o de que seguir o corpo da moda está atrelado a um ideário de felicidade e sucesso, um meio necessário para que a mulher tenha uma vida mais feliz e plena.”
“Com isso, não é por acaso que transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, são mais frequentes em mulheres, pois a hipervalorização da beleza e da magreza têm influenciado as relações femininas em todas as esferas: sociais, amorosas e até no trabalho, já que, neste contexto, são símbolos de status social”, ressalta ela.
Priscila Sanches, psicóloga com perspectiva de gênero ouvida por Marie Claire, lembra que as mulheres têm nove vezes mais chances de desenvolver anorexia e bulimia do que os homens: “Além dos transtornos alimentares, elas podem experimentar uma grande insegurança com relação aos seus corpos, o que pode levar ao isolamento e a outros transtornos, como ansiedade e depressão. Quanto mais distante meu corpo estiver desse ideal imposto, mais propensa estou a me sentir insegura e insatisfeita, o que, obviamente, afeta a saúde mental das mulheres.”
Um reflexo da sociedade
Para Corey, a nova narrativa da família Kardashian em torno da “beleza mais natural” remete àquilo em que sempre se destacaram: colocar-se no centro de um momento cultural. “A cultura da beleza é essencial para o capitalismo ocidental, e a cultura da mulher, e assim por diante. Mas elas [as Kardashian-Jenner] se aproximarão de qualquer coisa relevante. O fato de Kim ter se vestido como Marilyn Monroe, o ícone americano supremo, para o Met Gala há alguns anos é um ótimo exemplo de seu desejo de relevância e legado.”
Já Gerolimich as vê como um reflexo da sociedade patriarcal de consumo em que vivemos atualmente. “A nossa cultura hoje é formada por interesses econômicos. E, nessa perspectiva, corpos femininos são considerados mercadorias. A objetificação do corpo feminino é um traço marcante da nossa cultura e as Kardashians são fruto de um sistema onde a imagem espetacularizada é o que vende. Este sistema, por trás de uma narrativa de liberdade e empoderamento, retira da mulher a autonomia sobre seu próprio corpo, negando a sua individualidade e subjetividade, pois a coloca em permanente estado de insegurança corporal como forma de obter lucro”.
“As Kardashians são como semideusas no Olimpo que os influenciadores ocupam na cultura pop atual, distantes o suficiente para serem cultuadas e perto o bastante para gerar identificação. Com isso, vendem um modo de vida altamente desejável e ao mesmo tempo tão ilusório, onde o ideal utópico de corpo perfeito parece tão possível quanto distante”, finaliza.
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/comportamento/noticia/2024/04/a-estetica-das-kardashian-jenner-e-a-busca-do-corpo-trend-como-essa-equacao-afeta-as-mulheres.ghtml
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