DESINFLUENCERS: MOVIMENTO FAZ SUCESSO NO TIK TOK COM RESENHAS 'SINCERONAS' E CRÍTICAS AO CONSUMO EXAGERADO

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Desinfluencers: movimento faz sucesso no TikTok com resenhas 'sinceronas' e críticas ao consumismo exagerado

A hashtag em inglês #deinfluencing tem cerca de 256 milhões de postagens; 'vivemos uma estafa da publicidade pasteurizada e hiperadjetivada, de produtos sempre maravilhosos e imperdíveis', diz pesquisadora

Por Talita Duvanel — Rio de Janeiro

28/02/2023 04h30  Atualizado há um ano

Na lógica das redes sociais, quem tem feito a roda girar nos últimos tempos são os influenciadores digitais. Colecionando milhares de seguidores, eles fazem sucesso sugerindo os mais diversos tipos de produtos, disseminando seus próprios estilos de vida e adiantando o que acreditam ser tendência no futuro. Para os críticos destes novos “garotos-propagandas”, eles vivem num mundo edulcorado e cheio de filtros, em que tudo parece divino, maravilhoso, e que, de quebra, ainda estimula um consumismo cego sem limites. Agora, ganha força um movimento que propõe inverter o sentido desta roda: o dos chamados “desinfluenciadores” (ou deinfluencers), uma turma que busca chamar a atenção nas redes sendo “sincerona”, “do contra” ou apenas apontando outra visão, no caso, a sua visão.


Eles seguem o princípio do “não endosso”. Falam mal do livro que todo mundo está comprando, dizem que tal creme hidratante caro não cumpre o que promete, criticam a performance de determinado fone de ouvido. Esta turma tem se reunido usando hashtags em comum como #desinfluencer, #desinfluenciando, #desinfluenciador. Enquanto o Instagram é o paraíso dos influenciadores, os desinfluenciadores proliferam na rede rival, a chinesa TikTok. Lá, a hashtag em inglês #deinfluencing tem cerca de 256 milhões de postagens, e #deinfluencer, 27 milhões. Em português, o movimento começa a ganhar tração com #desinfluencer mesmo, com S.

Para estudiosos, esta turma sempre esteve por aí, mas dispersa e sem uma hashtag para chamar de sua. Agora, movidos ou não pela fama (e fortuna) dos influenciadores, parecem cada vez mais numerosos e populares (ou seja, com mais seguidores, tal qual os influenciadores).

—O fato de estarem agrupados numa hashtag deu uma outra proporção. Mas, se olharmos o comportamento da influência, sempre houve essa curadoria — diz a publicitária Rafa Lotto, head de planejamento da consultoria de redes sociais YouPix.

De fato, no YouTube e nos blogs, há anos as pessoas fazem resenhas de tudo, de livros a games, passando por maquiagens. O que vem tornando este grupo agora mais conhecido e atuante está na própria natureza do TikTok, que permite publicar conteúdo de forma rápida, categorizada e viral.

Virada de página

A confeiteira de São José dos Campos (SP) Tatiana Ribeiro, de 41 anos, é uma das que contribuíram com a hashtag em português. Ela “desinfluenciou” seus seguidores no TikTok (@tatipitadasliterarias) a lerem “Corte de névoa e fúria”, de Sarah J. Mass (“Terminei na força do ódio porque vocês insistiram”, disse ela), e “Confesse”, de Colleen Hoover.

—Vi a hashtag sendo usada na área de maquiagem e pensei em fazer sobre livros — conta Tatiana. — Ficamos nessa ânsia de comprar mais e esquecemos de ler o que temos em casa.

Quem já foi uma assumida acumuladora de livros, “por causa das redes sociais”, e agora tem outro discurso é a australiana Francesca Breidahl, que chama a atenção no TikTok com o perfil @GoodBooksForCoolChicks. “Pulando neste trem da ‘desinfluência’: junte-se à sua biblioteca local. Você não precisa comprar tudo que lê. Bibliotecas têm milhares de livros de graça”, diz a jovem de 25 anos num vídeo com cerca de 200 mil reproduções.

— Com cada vez mais pessoas comprando livros de gigantes como a Amazon, as bibliotecas carecem de ajuda e financiamento — diz a profissional de saúde pública da cidade de Darwin, salientando o quanto o algoritmo trabalha a favor da acumulação. — Ele adora vídeos com estantes enormes, em que as pessoas têm muitas cópias de um mesmo título.

Tanto Tatiana quanto Francesca — e muitos outros “desinfluencers” — são pequenos produtores de conteúdo, e (ainda) não ganham a vida nas redes.

—O movimento da “desinfluência” pode ser visto como arriscado para determinados influenciadores, por causa do medo de sofrerem retaliação de alguma marca. O que é uma grande bobagem, porque o público espera acompanhar perfis em que confia — diz Issaaf Karhawi, pesquisadora em Comunicação Digital e professora da Unip-SP.

Para Issaaf, o movimento dos desinfluenciadores pode ser reflexo de uma busca por mais vida real e menos perfeição, a exemplo do sucesso que vem fazendo a redes social BeReal, que não permite filtros:

—Vivemos uma estafa da publicidade pasteurizada e hiperadjetivada, de produtos sempre “maravilhosos” e “imperdíveis”. É como se os influenciadores tivessem se afastado da humanidade, que tem a ver com ponderação, com uma avaliação mais crítica, ainda que seja a de um lançamento de um produto muito esperado.

Solidificar e evoluir

Enquanto os desinfluencers proliferam no TikTok, falando de livros, games, gadgets e produtos de beleza, há diversas hipóteses para explicar por que este movimento ainda não ganhou adesão em plataformas como a do Instagram. A primeira é de que o TikTok ainda não é um espaço tão visado para os chamados publis, como são conhecidos os contratos de publicidades feitos entre influenciadores e marcas.

— Hoje em dia, o Instagram é a plataforma em que os produtores de conteúdo mais fazem parcerias comerciais — diz a pesquisadora Issaaf Karhawi, da Unip-SP. — Se a gente for pensar numa balança de negativo e positivo, acredito que o Instagram ainda está concentrado em aspectos positivos da influência, mais ligado à lógica da estética, da imagem. E não à toa o TikTok recebe o título de ser uma plataforma mais “autêntica”, porque dá vazão a controvérsias e complexidades.

Issaaf teve acesso a um relatório anual do TikTok que aponta tendências. E diz que ali é possível perceber que este tipo de conteúdo, o da desinfluência, tem potencial para crescer mais em 2023:

— O interesse do público (nas redes sociais) vai passar por conteúdos que brincam com expectativa versus realidade, mas não somente na ideia do meme e, sim, pensando em conteúdos que desmascaram falcatruas ou inverdades.

Ela explica que isso tem sido chamado de “entretenimento questionador” e tem a ver, em certa medida, com o conteúdo disseminado pelos desinfluenciadores.

— Nutricionistas em vídeos contestando dietas duvidosas que as pessoas publicam nas redes sociais ou personal trainers reagindo a um treino equivocado são exemplos do que se acredita que vai fazer sucesso — diz Issaaf.

Se o uso da hashtag #deinfluence vai continuar em ascensão ou ser apenas mais um hype, como os produtos que eles tentam desmistificar, só o futuro dirá, mas a mentalidade por trás dessa lógica, acredita Rafa Lotto, da YouPix, há de sobreviver.

—Pode até ser chamado de outra coisa, mas não acho que desaparece. A hashtag pode perder força, mas é um movimento que tende a se solidificar e com formatos que podem evoluir. (Talita Duvanel)


Fonte:https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2023/02/desinfluencers-movimento-faz-sucesso-no-tiktok-com-resenhas-sinceronas-e-criticas-ao-consumismo-exagerado.ghtml

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